Você jogaria com um personagem mediano?

Como um bom background faz a diferença

Quando jogamos RPG pensamos, geralmente, em personagens heroicos e com capacidades além dos padrões normais. Mesmo personagens da literatura e dos quadrinhos que se apresentam a nós como sob a fachada de um indivíduo comum, tais como Peter Parker, Clark Kent ou Bruce Wayne, usam disso como uma máscara para esconder um indivíduo muito acima da média. Podemos inferir que o jogo de interpretação de papéis é sobre isso: heróis e seus dilemas e desafios, certo? Há espaço para heróis medianos nas nossas aventuras?

Entender o que motiva seu personagem é a porta de entrada para grandes histórias e um dos maiores aliados deste processo são as motivações e as limitações que se estruturam num bom background.

O background é muito importante em campanhas e muitas vezes esquecido ou perdido nos personagens em estereótipos e clichês. A vida pregressa do personagem é importantíssima para a evolução do personagem e sua relação com o universo da aventura. Um bom background é capaz de estabelecer as aventuras do grupo, criando uma espécie de ‘cola’ que mantém o grupo unido e dá motivação ao personagem, cria ganchos de aventuras e laços entre os jogadores.

Quando falamos de background em RPG precisamos ter em mente a palavra ‘sinergia’, ou seja, como sua história se comunica com o universo em que está inserida. A sinergia é fundamental se você quer fazer personagens inesquecíveis, pois ao dialogar com o universo da campanha, terá sua história interpretada durante a campanha. Mesmo que seu background seja simples a sua evolução renderá momentos de diversão para todo grupo.

E quando falamos de personagens iniciantes o background é simples. Um guerreiro de primeiro nível passou, no máximo, pelo treinamento militar básico na guarda local (ou com algum parente). Um clérigo de primeiro nível provavelmente não terminou sua formação básica. Um ladino é alguém que pode sobreviver de pequenos furtos.

As motivações do seu personagem são os objetivos que o anima (dar movimento, animação) e o fazem querer investigar, corrigir injustiças, conhecer o mundo, vingar-se, etc. Já as limitações são as características que o tornam um herói (ou o coloca em grandes confusões). Limitações são ótimas para dar cor ao personagem e não faltam exemplos disso: R2D2 não é um grande guerreiro ou um grande piloto, mas é impossível pensar na saga Star Wars sem ele na guerra jedi. Outro exemplo fantástico de personagens extremamente fortes, mas irremediavelmente limitados são os Lordes de Domínio de Ravenloft: amaldiçoados por sua própria força.

Um exemplo pessoal que trago em boa memória foi um personagem de Ravenloft, ladino, bon vivant, galanteador e covarde. Seus atributos eram normais, exceção de Destreza e Carisma, porém ele conseguiu seus TREZE primeiros níveis com apenas TRÊS combates. Basicamente ele negociava ou se escondia, portanto suas perícias principais eram esconder-se, blefar e diplomacia. Uma temporada na Greta Sombria e a sobrevivência ao negociar com alguns Lordes de Domínio (ele acabou se tornando uma espécie de garoto de recados) renderam a experiência suficiente. Era ladino com níveis de explorador de tumbas com uma queda para o jogo e para o flerte (teve filhos com deuses e monstros...).

Este personagem funcionou tão bem que o narrador colocou elementos desconhecidos de sua história para justificar sua habilidade de trabalhar bem com lordes de domínio: ele tinha parentesco com um deles. Essa não era a história original e acabou entrando no universo da campanha. Originalmente ele era filho de um marinheiro que tinha uma irmã envolvida com pirataria. Seu pai estava desaparecido e ele saiu em busca de informações pelo continente enquanto ele acreditava que sua irmã buscava informações pelo mar. Um background bem comum e uma motivação que evoluiu para um personagem fundamental na dinâmica da campanha.

Pensar no background é pensar o passado do personagem e também pensar o futuro do mesmo, pois sua motivação, anseios e desejos passam por suas experiências pessoais. Quando seu personagem é inexperiente o exercício é torná-lo relevante. Se você tem um personagem mediano o background do seu personagem pode fornecer elementos fundamentais para todos os jogadores e, neste ponto, um personagem mediano pode ser muito mais interessante que um personagem ‘combado’. Transformar uma pilha de números em uma alma é um verdadeiro ato de criação. Personagens medianos superando desafios e construindo sua narrativa são elementos essenciais para um bom grupo. Um personagem é construído por aquilo que ele superou e não pelo puro poder. Ser superpoderoso implica em superar a si mesmo enquanto ser mediano implica superar por si mesmo.

Truichy o bárbaro

Vamos levar em consideração as seguintes rolagens abaixo que acabei de sortear com três dados, na ordem dos atributos e eliminando o menor número ao final. Portanto tenha em mente esses atributos quando pensar em nosso valoroso bárbaro.

• For: 11

• Des: 14

• Con: 13

• Sab: 9

• Int: 12

• Car: 11

Truichy cresceu numa tribo bárbara ao sul do reino e nunca foi como seus colegas. Se destacava por ser mais rápido e habilidoso, mas sua falta

de força sempre foi vista como uma espécie de mau presságio e, embora fosse um estrategista capaz, era impaciente e sem grande talento para liderança. Sua relação com os membros de sua tribo sempre era de provocação por ser menor que a média, mas ele conseguia se safar dos eventuais abusos com agilidade física e mental. Truichy escolheu sair de sua comunidade para conhecer o reino e se tornar um comandante capaz, pois acredita que apenas conhecendo outros povos ele poderá ser capaz de tornar um líder, não pela força, mas pela inteligência. Saiu em comitiva de sua tribo para o reino, levando o machado de seu tio que erguia com dificuldade, e numa tentativa de caçar um cervo se perdeu na floresta não reencontrando sua comitiva, porém encontrou uma caravana que se dirigia para o oriente. Trichy viu a oportunidade ideal para crescer e voltar um guerreiro capaz na sua terra depois de viver aventuras e conhecer o mundo. Temos uma motivação e limitações a fórmula ideal para criar uma ótima narrativa. Você jogaria com Trichy?